BEM VINDOS

Somos um grupo de RPG que está jogando uma campanha há 11 anos, o sistema de regras que uso é de criação minha e devido ao gênero de jogo a batizei de HORROR. Em todo esse tempo dentro do jogo aconteceram muitas coisas que gostaríamos de imortalizar e a melhor maneira que encontramos para fazer isso foi tranformar o jogo em uma história dinâmica. A história que começa nesse espaço é o inicio do quarto ano que começamos em 2007, a cada sessão de jogo transcrevemos todo o acontecido em forma de história para gravarmos em nossas memórias a angustia vivida pelas almas de cada um e compartilharmos com aqueles que apreciam o gênero. Ao lado direito da página na seção "cada dia uma angústia" a história começa no dia 23/09/2005.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Diario de Joseph (data desconhecida)

Hoje eu consegui fazer sair água do cano que tem no canto deste buraco sujo fedorento, eu não tinha um tostão faz tempo, e também já estava quase esquecendo aquela história maldita de pesadelos. Talvez estivesse magro, há muito não sentia fome pois já tinha passado do limite de senti-la corroendo meus intestinos, porque eu sei que aquela dor física era sempre melhor porque conseguia apagar de leve a dor mental, mas depois a dor passou e então começou tudo de novo, 01 Onde diabos estava aquele mendigo que queria proteger Liana? E o Nikon, Nikon onde está você?!? Você se matou porque não agüentava mais eu não agüento mais e continuo vivo mesmo tentando perecer à míngua. Tem mais alguém importante, eu sei que tem, mas acho que ele vai morrer também, sortudo; 10 e o maldito Philip, mas ahaha o maldito Philip! Mas é isso, a água, isso a água, eu resolvi sair e ir numa fruteira próxima, o sol machucou meus olhos e eu andei curvado até lá, eu não precisei dissimular ou fingir ou furtar, simplesmente peguei um pêssego maduro e virei as costas, tentando acertar quase a esmo o caminho de volta para o bolor da peça que habitava. Então eu fiquei de costas pro cano, sentei no chão do quarto, nu, e enquanto aquela água gelada corria pela minha cabeça, eu comia aquela fruta, alcançando o ápice do sentimento e sensação de estar vivo. 19 Todos os micromilímetros do meu corpo, tudo, tudo arrebatado de uma sensação fresca de vida. E o sabor, por algum motivo sumiu o gosto amargo eterno que eu guardava na boca. Diante do êxtase, eu vi o rosto dela, era a tal Maria, virgem ou não sei, fodedeira, vai saber, mas parecia virgem mesmo apesar de eu querer o sangue destes religiosos mentirosos que dizem que ela pariu do santo. 97 Mas parecia tão pura mesmo, eu eu sempre pensei que as putas eram as santas, mas ela não era puta e parecia santa, porquê não sei, acho que é santo quem sofre, somente quem sofre, e ela sofreu pelo filho dela e aquela história toda de dor, mas fato que água e rangido nos joelhos e ela disse: Meu filho não é caloteiro. É melhor assim, o seu grande mal é a falta de paciência, você vai esquecer, se lembra bem agora, mas vai esquecer, se for isso realmente o que quer. São demônios os que corroem o poder da escolha, e você a tem, sempre teve, não tema a eternidade, você pode mesmo se matar e virar pó no mesmo instante. Mas seria bom que ficasse por aqui pra receber o que lhe é devido. 04 Não há recompensa, tampouco justiça. Só a curiosidade. Você tem que seguir em frente, e parar de olhar pra trás, entende, pequeno? Porque o passado está na frente, porque se pode ver o que já aconteceu, e o futuro é que está atrás na linha do tempo, porque não temos olhos na nuca e não sabemos sobre ele, é incerto, sabe? E parecia tão convincente que eu deixei de acreditar no destino, eu realmente acreditei naqueles olhos tão sobrenaturais, mas tão sobrenaturais, que de tanto realmente pareciam somente humanos.06
Ela sumiu, mas tinha um manto branco no chão e eu fui lá engatinhando, e quando o peguei nas mãos haviam vermes lá, e eu não me importei, porque eram seres vivos, e aquilo era uma bênção tão maravilhosa, que enfiei meu rosto no manto, e chorei, chorei como uma criança pequena, eu vi tudo, o parto, tudo, a faca na mão na barriga, a latrina e o rosto dela, vi a praça e as crianças, brincando, brincando Meu Deus, as crianças estavam brincando.20
A parede rachou e eu senti a água revolver todo meu corpo, foi maravilhoso, eu estava perto e quase lá, nunca tão quase lá. Então eu quis aquilo, a luz e a reviravolta, uma fenda no teto, alguma coisa me agarrava e Meu Deus que dia ERA hoje? Não se marca com números mas se marca que dia SERÁ hoje quanto tempo? Hoje É uma canção de inocência e 06

-------

Num casebre do interior da região de Sondrio, Lombardia; uma velha senhora esfrega os pés de Joseph, com um líquido diluído em ervas que guarda numa bacia ao chão poeirento. Curvada como uma concha, ela sussurra uma canção pelo canto da boca, que interrompe ao sentir a presença de alguém.
Adentra o recinto um alto homem narigudo, com cabelos curtos pretos e lisos, um típico italiano do sul, aponta de pronto uma pistola para a velha senhora, que cai sentada ao chão.

Diga tudo.
Eu não conheço esse homem.
Tudo bem, como ele chegou aqui?
(Os passos chegam perto da velha e o fazem parecer gigantesco.)
Quando vi este homem, sabia que ele estava doente, tinha alguma coisa, sabe? Eu o vi roubar uma maçã e ir embora, não sabia que alguém ainda morava na venda de Augustino, depois que ele morreu, nunca ninguém foi lá, nem nada. Mas o garoto, pobre garoto, entrou lá e...
E o que?
(A arma cresce e ela sente na testa a auréola gelada do cano)
Olha aqui, olha aqui.
(Ela levanta os cobertores, o alto homem vê o tornozelo de Joseph em carne viva)
Ele estava acorrentado no chão, numa placa de aço, alguma coisa assim, ele engoliu muita água, podia ter morrido afogado, mas meu marido veio rápido com o machado, agora está tudo bem, ele está bem, não nos faça mal.
Quanto tempo faz que ele está aqui?
Dois, não, três noites.
E acordou neste tempo?
(Cada pergunta do homem lhe parece um soco na face)
Numa noite acordou de um pulo, saiu pela casa gritando que precisava escrever, então lhe demos com o que escrever e ele escreveu um pouco e depois dormiu por cima da folha, parecia estar sonâmbulo, não nos respondia, mas parecia estar muito são enquanto escrevia, então nós deixamos. Escreveu numa língua estranha, bem, nós íamos chamar um médico, mas Giorgio não acredita na medicina, e...
Onde está o que ele escreveu?
(o dedo enrugado se ergue em direção de uma escrivaninha torta, de madeira com tinta descascada; num papel estranho aparecem rabiscos, o homem lê, e enquanto o faz, retira um terço do peito que estava abaixo da camisa preta, segurando-o fortemente na mão direita)
Ele também vomitou uma chave na primeira noite. Era a chave que abria a algema que prendia o pé do pobrezinho.

...

A sorte, ou a falta dela (nunca iremos saber), deslizou pelos ossos do crânio da velha. Um tiro seco. Caiu de joelhos com a cabeça enfiada na poeira. As mãos se revolveram meio tortas parecendo que estavam mantendo-a equilibrada de maneira sublime, o que fez o homem ficar alguns segundo parado, admirando o sangue escorrer, desenhando o chão de maneira forte, para, em seguida, ir até Joseph, e colocar a mão em seu rosto...

Nenhum comentário: