BEM VINDOS

Somos um grupo de RPG que está jogando uma campanha há 11 anos, o sistema de regras que uso é de criação minha e devido ao gênero de jogo a batizei de HORROR. Em todo esse tempo dentro do jogo aconteceram muitas coisas que gostaríamos de imortalizar e a melhor maneira que encontramos para fazer isso foi tranformar o jogo em uma história dinâmica. A história que começa nesse espaço é o inicio do quarto ano que começamos em 2007, a cada sessão de jogo transcrevemos todo o acontecido em forma de história para gravarmos em nossas memórias a angustia vivida pelas almas de cada um e compartilharmos com aqueles que apreciam o gênero. Ao lado direito da página na seção "cada dia uma angústia" a história começa no dia 23/09/2005.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

2009

ANO DE 2009


O SEGUNDO APOCALIPSE

Infelizmente, coisas como cadernos e canetas tem sido muito difíceis de arranjar. Então talvez não haja registros tão detalhados a partir de agora, mas farei o que puder. Haviam se passado três anos desde o primeiro apocalipse. Ainda habitávamos aquele hospital onde Esperança nasceu. Ela crescia bem e forte, Mostrando traços como uma pele mais escura que a minha e feições que poderiam lembrar Samuel, principalmente quando ela estava emburrada ou muito séria. Os cabelos não chegavam a ser ruivos, mas de um castanho bem claro. De mim ela herdou apenas os olhos azuis que eram ainda mais evidentes nela. Uma criança notável. Era impossível não notar quando ela passava correndo com outras crianças brincando e sorrindo... Ela tinha o sorriso de minha mãe. Radiante o bastante para me fazer acreditar que o futuro seria melhor.

O mundo La fora começava a mudar. A natureza começava a reclamar seu espaço perdido pelas cidades e a vegetação ganhava terreno. Lagos e rios de Nova York que não recebiam mais a poluição freqüente da sociedade estavam praticamente limpos e eram fontes preciosas de água, já que não havia mais nada em reservatórios. O hospital Lenox Hill se tornou uma das muitas comunidades que passaram a existir na cidade. Sobreviveram mais pessoas do que eu pensava e no inicio, poderia ser visto uma tentativa de colaboração mútua entre elas. Se precisar de comida, a comunidade que se aloja em um mercado troca alguns enlatados por remédios de uma comunidade formada em um hospital. Dinheiro já não tinha seu valor. Tudo era troca de mercadorias, permutas. Algumas pessoas acreditavam que o mundo estava se aproximando do ideal, que se tornaria o éden moderno. Infelizmente, as pessoas não estavam preparadas para isso. O mundo mudou, mas não a natureza humana.

A rede ainda estava ativa e buscando informações, apesar das dificuldades evidentes que poderiam existir. As notícias eram preocupantes. Chegavam relatos de que a tensão aumentava em muitas comunidades, pois começavam a terminar os recursos disponíveis. Falava-se em coligações, acordos e até mesmo em guerras umas com as outras. Muitas foram às reuniões entre as lideranças do hospital Lenox Hill e a rede. Já havia muitas discordâncias ali. A rede defendia que deveria ser preparada uma mudança de local, pois era evidente que a guerra chegaria até o Lenox.

As lideranças da comunidade achavam que era tolice abandonar um local privilegiado como aquele, que não havia recursos suficientes para uma mudança e que éramos fortes o bastante para segurar o que viesse e fazer acordos para tornar essa comunidade ainda mais forte.

Ambos os lados tinham seus pontos fortes e fracos. Realmente o Lenox Hill estava bem preparado, mas este de fato era um ponto cobiçado por outras comunidades menores. Se fizessem coligações e resolvessem tomar a força o local, poderíamos perder mais que apenas o prédio. Foram meses de negociação antes do grande encontro entre os líderes das comunidades próximas. No mês de Junho, ironicamente no dia quatro, foi armado um grande conclave para que os líderes discutissem interesses em comum e as ultimas noticias se confirmassem. A cada seis meses havia este conclave e este seria o quarto a ser realizado, sempre no mesmo local, um prédio considerado território neutro por todas as comunidades da região.

Era impressionante ver que não importava o quanto às coisas mudassem a natureza humana sempre estragaria tudo. Nunca houve um encontro tão tenso como aquele. A maior reivindicação foi à falta de remédios, ou seja, Muitas comunidades reclamando do pouco cedido pelas lideranças do Lenox Hill. Eu sabia que não era por mesquinhez. Eles eram poucos dados as circunstâncias. Se usasse remédios da forma antiga, acabaria tudo em menos de seis meses. As pessoas eram orientadas com tratamentos alternativos, sendo que os remédios ficavam com casos realmente graves. Era um pouco cruel e muita gente tinha morrido de doenças que estavam erradicadas há muito tempo. Era grande a pressão sobre o Lenox, mas a liderança já havia tomado uma decisão:

“Nós da liderança da comunidade de Lenox Hill, Sabemos dos males que vem assolando as comunidades e dos atos de guerra que acontecem a nossa volta. O que todos devem compreender é que todos querem medicamentos, porém existem poucos médicos para diagnosticar e se gastarmos tudo como antes, não terá mais remédios. Não há ninguém que produza mais, por isso mantemos nossa conduta. É o melhor que podemos fazer.”

Houve uma grande comoção naturalmente. Discordâncias e resignações foram ouvidas, mas nenhuma concordância com a política de Lenox Hill. Samuel e Tamara suspiraram profundamente com certo pesar. Vi que eles deduziram algo, mas não falaram nada. Esperança até me perguntou de porque não dar a elas o que pedem, já que tinha gente morrendo. Nunca fui de mentir para ela então disse:

“São eles ou nós minha filha. Não sobrará nada para os nossos doentes se tratarmos os deles. A nossa comunidade tem a preferência, entende?”

Ela tinha um olhar que denotava muita sagacidade, embora ainda fosse uma criança. Ela nunca disse que entendeu ou não, mas não duvidaria que estivesse pensando numa resposta que nunca chegou a vir. A maturidade de Esperança, misturada a inocência infantil a tornava uma pródiga entre as crianças. Desde o nascimento, Samuel e eu decidimos criá-la sem a pressão das lendas que se formaram sobre ela. Seria uma criança do apocalipse, preparada com o conhecimento e habilidade necessária para sobreviver nestes tempos. Quando chegasse a hora, ela tomaria a decisão por si mesma. Teria o livre arbítrio para escolher o caminho que quisesse. Eu acredito que ela escolherá sabiamente. Eu já fiz a minha escolha há muito tempo.

Havia se passado uns três dias desde o encontro. Fui acordada por Samuel que parecia estar em alerta. Olhei para uma janela e vi que ainda não amanhecera. Esperança dormia profundamente ao meu lado.

Laura – O que houve Samuel? Ainda nem amanheceu...

Samuel – A rede quer uma reunião conosco. Parece que eles tomaram uma posição.

- A respeito de que?

- Chegaram informações graves e segundo eles uma decisão deve ser tomada.

- Bom... E o Victor?

- Já esta lá na sala de reuniões com Tamara e Gabriela. Vamos logo, só esta faltando você.

Apesar de meu receio de deixar Esperança sozinha, fui com Samuel a grade sala, que era utilizado para os debates. Havia uma boa parte dos homens da rede ali. Logo que adentramos e fechamos a porta, o homem que estava à frente da Rede começou a falar:

Noah – Já estão todos aqui, vou direto ao assunto. Um dos nossos interceptou uma mensagem muito bem escondida em um cadáver que foi atacado por bandidos. Por favor, não perguntem onde estava a mensagem... Bem, Ao ler a mesma, descobrimos que estão se formando alianças entre as comunidades ao nosso redor. No mínimo três estavam em comum acordo e parecia haver mais para assinar o documento.

Victor – Eles estão se juntando, assim como nós com esta comunidade. E daí? Isso não é mais novidade.

Laura – E daí que tem algumas coisas estranhas. Três delas já haviam aceitado. Foi muito rápido entendem? Entraram em acordo muito depressa. O que poderia fazer com que entrassem em consenso tão rapidamente?

Samuel – Uma coligação de guerra. Pretendem atacar alguém por alguma coisa ou território

Se fez silencio por alguns segundos.

Gabriela – Pensei muito e disse a Noah que somos um alvo provável. Que outro lugar nas redondezas teria recursos que valessem à pena uma ofensiva?

- Já esgotaram todas as possibilidades?

- Sim. Eu não gostei do que vi na ultima reunião moça. Era como se tivessem planejado aquilo antes entre eles entende?

- Quer dizer que o ataque já estava em planejamento antes do encontro? Que nos atacariam de qualquer jeito?

- Bem que eu desconfiava... Era difícil não perceber. Aquele lugar fedia a intriga.

- Bom, nós da rede decidimos que ficar aqui seria burrice. Nós vamos embora arranjar um lugar mais discreto. A rede toda vai... Nós avisamos vocês porque somos amigos e temos objetivos em comum. Os caras do Lenox nunca vão querer sair. Estamos partindo amanha bem cedo. Nós já temos um local para permanecer seguros. Vocês decidem se ficam ou se vão conosco. O aviso ta dado.

Eles saíram bem depressa e silenciosamente da sala, deixando nós com nossos pensamentos. Cinco minutos depois e algumas trocas de olhares e acenos a decisão estava tomada. Todos concordavam com a rede. Partiríamos na manhã seguinte. Quando retornei ao quarto, Esperança estava de pé, olhando entre as frestas das tabuas na janela. Ela observava as criaturas da noite, as pobres almas perdidas. O assustador era constatar que parecia estar olhando de volta, um olhar focado na minha filha. Puxei-a rapidamente da janela e coloquei um pano qualquer que servia de cortina. Voltei e me deitei ao lado de Esperança que permanecia de olhinhos abertos. Ela nunca vira uma das criaturas por tanto tempo.

Mas eu poderia jurar que não era medo o que ela sentiu... Parecia mais curiosidade.

...

Cochilei por algum tempo, não saberia dizer quanto. Acordei de soslaio e vi que Esperança tinha voltado à janela. Levantei de imediato. Ela parecia um pouco agitada.

Laura – Esperança, minha filha, pare de olhar aquelas pessoas. Elas são más.

Esperança – É que... Mas...

- Mas o que minha filha? Porque essa curiosidade agora?

- Ele chamou amigos... Tem mais deles. Com o sol eu consigo ver melhor.

Demorou dois segundos para atinar do erro nesta frase. Espiei por outro orifício e pude observar que o sol começava a nascer e alguns raios já chegavam ao chão. Estávamos no terceiro andar, com uma boa visão da rua em frente do hospital. Uma olhada mais atenta eu percebi movimentos. Dois ou três deles nas áreas mais sombrias. Era entendido que as criaturas procurassem locais sombrios para se esconder durante o dia e talvez nem tivesse percebido nada. Bastou apenas um deslize... A luz solar refletiu em algum vidro e atingiu um dos vultos ocultos no seu ombro e pude ver que realmente parecia um deles... Mas o sol o tocou e ele nem ao menos reagiu.

“Não são as criaturas... É alguém vestindo pele falsa... Uma armadilha! Já estão aqui!”

Por sorte não havia nada para arrumar. Eu estava sempre pronta para uma retirada e com a mochila preparada. Mandei esperança pegar suas coisas rapidamente e saí do quarto. Bati na porta de Samuel, que tinha acabado de acordar e expliquei o que vi. Não foi necessária uma resposta. Meio minuto depois, Gabriela e Ele saiam porta afora com os pertences guardados. No caminho encontramos Tamara indo ao banheiro coletivo, mas a fizemos dar meia volta e chamar Victor. As pessoas em volta olhavam curiosas para o nosso estado de alerta e mochilas nas costas, porém nada comentavam. Não era algo incomum afinal. Assim que Victor chegou junto de Tamara, descemos a área do estacionamento. Já havia uma movimentação discreta dos homens e mulheres da rede. Noah estava lá orientando os últimos que saíam pelos fundos do hospital.

Noah – Então virão conosco?

Samuel – Não temos escolha homem! O hospital vai ser atacado a qualquer momento.

- Sabemos disso.

Laura – Não entendeu... Vai ser agora. Eu os vi se movimentado La fora tentando se camuflar!

- Deus, eles não perdem tempo. Então vamos logo, o que esperam?

Victor – Alguém tem que avisar os caras! Eu vou...

Um tiro de raspão no ombro de Victor acabou por interromper seu movimento. Abaixamo-nos atrás de um dos carros e nos pomos a observar. Aquele era um estacionamento subterrâneo, cheio de carros abandonados e uns poucos funcionando. Havia duas saídas para carros, uma na rua principal e outra nos fundos que saia em uma rua menor, para cargas e ambulâncias apressadas que traziam pacientes. Homens vestidos com o que parecia ser pele de Zumbi adentraram a área do estacionamento pela entrada da frente. Eles eram uns cinco ou seis todos armados com Facas e metade deles com pistolas ou escopetas, entrando o mais furtivamente possível. Pretendiam surpreender as defesas descendo até o subsolo e subir gradativamente pelos andares. Agora que me atinava em outro problema...

Onde estavam as sentinelas que deveriam estar guardando a entrada? Ou foram mortos silenciosamente ou então foram comprados para facilitar a entrada. Era triste, mas isso não me surpreendia de todo. Traição fazia parte da história da humanidade, ainda mais quando vidas era o preço a se pagar por não trair.

Aproximavam-se rapidamente e nós precisávamos reagir. Victor foi o primeiro a dar um tiro em um dos homens, que sentindo o metal da bala no seu ombro, parou seu avanço. Os demais vendo que havia arma de fogo do outro lado trataram de se proteger. Mais alguns tiros foram trocados antes de uma sentinela descer pelas escadas e perceber que as coisas estavam feias. Retornou gritando para os demais. Nossa fuga discreta foi por água abaixo! Derrubamos um deles, mas estávamos ficando sem balas... E o sujeito da escopeta não dava trégua. Ouvimos motores de veículos vindos de fora. Era óbvio que logo chegariam reforços e daí realmente não teríamos chance. A nossa sorte é que os nossos reforços chegaram primeiro. Cerca de cinco homens saíram pela escada e bastou alguns segundos para anular os inimigos com arma de fogo. Um jipe veio da entrada da frente cantando pneus e atirando. Mais homens desciam do veículo avançando contra nós. Isso não acabaria nunca. Uma retirada se fazia necessária. E nosso veículo não estava longe...

Samuel – Vamos embora! Noah vem conosco para mostrar o caminho!

Laura – Tamara... Pegue Esperança e vá com Noah até o carro. Fiquem abaixadas entendeu!

- Está bem Victor?

- To... Eu agüento.

- Então vamos dar algum tempo á eles!

Noah e Tamara com Esperança no colo corriam até a picape F-10 que nos pertencia. Olhamo-nos por um momento e nos levantamos, sacando os sabres e os floretes. Sim, nós aprendemos a esgrimir. Eu pedi a Samuel que me ensinasse assim que tive condições de andar. Victor veio na carona e aprendeu. Esperança estava sempre presente, pois logo ela teria que aprender também. Os homens restantes da primeira leva já estavam em cima de nós. Não nos levariam sem luta. Era a primeira vez que usaria a técnica e esperava não me arrepender.

Dizem que numa situação de combate, o tempo parece se dilatar. Segundos viram minutos, minutos viram horas. Tínhamos pouco tempo para derrubar aqueles homens antes que viessem outras dezenas. O meu adversário vinha com um facão e para minha sorte não era muito proficiente com a arma dele. O estilo em si, a esgrima florentina, Usava duas espadas diferentes, O sabre e o florete. Quando devidamente aprendida à técnica, os pares de espadas fazem uma boa combinação de ataque e defesa. Agilidade era a chave e não a força por isso conseguiu me adaptar mais facilmente. O homem desceu a lâmina dele de cima para baixo, o que esquivei facilmente. Não contava com um segundo canivete na mão ambidestra dele. Ele cortou minha perna superficialmente, o que me obrigou a um recuo seguido de uma estocada com o florete. Ele sentiu o aço frio penetrando o ombro. Ele ia tentar descer a faca em meu braço esticado para decepá-lo, mas encontrou apenas o meu sabre bloqueando a trajetória. Puxei o florete e aproveitando o sabre que já estava erguido, o desci num corte diagonal com a intenção de afastá-lo. Ele não esperava que o sabre descesse tão rápido e na verdade, nem eu. Atingiu o pescoço do homem que começou a sangrar muito... Aquele duelo tinha acabado.

Vê-lo cair e todo aquele sangue... Eu comecei a tremer e podia sentir aquele frio na espinha quando o sangue jorrou muito perto de mim e saltei para trás quase caindo de costas. Não quis mais ver aquilo. Não me agradava matar ninguém. Nem os zumbis eu gostava de matar, ainda menos seres humanos. Aquele era o primeiro. Olhei em volta e Samuel já tinha despachado o seu. Victor derrotou o dele em seguida.

Precisei de algum tempo para parar de tremer. Samuel me puxou pelo braço e corremos até a picape. Entrei na cabine e peguei Esperança nos braços, abraçando-a com força. O carro disparou pela saída dos fundos e logo ganhou a avenida.

Olhando para trás vimos que a coisa era muito pior. Eram muitos mercenários, veículos e até alguns estandartes improvisados. A traição se confirmava e o hospital Lenox Hill estava condenado. Nenhum deles se preocupou em nos seguir, pois o prêmio estava bem ali diante deles. Esperança me pergunta quase cochichando o que ia acontecer com as pessoas que não fugiram. Eu não precisava dizer nada, meu olhar já dizia tudo.

Após muitas voltas, Noah finalmente nos dirigiu até o prédio onde a rede havia se reunido. Entramos direto com nossa picape na garagem e havia alguns homens nos esperando. Era um prédio mais antigo de uns dez andares. Subimos pelas escadas e chegamos a uma sala de reuniões improvisada. Havia mais algumas pessoas que não faziam parte da rede, mas eram os nossos novos anfitriões. Agora eu entendia que a rede estava em negociações com estas pessoas fazia um bom tempo. As ideologias eram compatíveis e ao que parecem, aquelas pessoas já tinham sofrido os horrores das guerras entre comunidades. Este processo de mudança se repetiria muitas outras vezes... Pessoas iam e vinham aos montes, os problemas sempre estariam presentes, outras batalhas aconteceram, mas nós estávamos vivos e lutando. Estas batalhas durariam mais ou menos três anos. Mas é como dizem atualmente: Não importa o quanto à situação esteja difícil... Sempre pode piorar, então agradeça pelo que tem.

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