04/05/1986
Não tenho a pretensão de escrever
uma grande história, tão pouco a intenção de deixar meus escritos guiarem almas
tão perdidas quanto a minha. Não há glamour,não
há glória e nem recompensa aos “heróis”que escolheram trilhar o mesmo caminho
que escolhi. Não quero deixar nenhuma informação ou tutorial para orientar
aqueles que atravessaram a barreira. Sou uma alma desgraçada, um vagabundo cuja
vontade de viver está por um fio.
Nesse exato momento, estou em
Montana, no ano de 1986, alguns dias depois da explosão de Chernobyl. Antes disso, estava no Canadá, no ano de 2006. Laura e
eu entramos em um avião cargueiro desaparecido desde a segunda guerra mundial.
E lá nós morremos. Eu acordei em Nova Iorque no ano de 86. Minha situação era
incerta, e meu rosto não era mais o meu. Minha alma, meu anima, atma,essência, ou qualquer nome que queira dar, estava agora
no corpo de meu tio, Antônio. Um mendigo, um sobrevivente na selva de pedra e
aço. Antônio era o mais novo entre 3 irmãos. Assim como todos os homens em
minha família, ele era advogado no Brasil. Porém, a situação política no Brasil
e seu idealismo libertário o fez desgarrar-se da família e se unir ao Partido
Comunista do Brasil, como forma de oposição ao Regime Ditatorial Militar que
tomou conta do Brasil e da América Latina. Começou a ser perseguido e então,
temendo morrer, decidiu abandonar o país e ir embora para Cuba. Não conheço bem
sua história, pois meu pai era um desgraçado filho da puta e nada falava a
respeito. Lembro de encontrá-lo uma vez na minha adolescência. Infelizmente não
consigo lembrar do nosso “papo”, mas sei que esse acontecimento me mudou para
sempre.
O destino fez com que eu encontrasse
alguns de meus antigos companheiros de batalha que também estão na mesma
situação a qual me encontro, Victor e Peter. Outros dois Rachel e Gabriel se
juntaram a luta. Gabriel é um engenheiro que participou de um experimento na
Universidade de NY que culminou em um coma que durou 10 anos. Rachel é, nada
mais, nada menos, que a irmã de Joseph... Hoje nós somos os novos peões do
destino, hoje nós estamos aqui, aproveitando essa nova oportunidade para mudar
as coisas... Ou isso apenas é mais uma maneira que Deus ou o Demônio acharam
para por a prova a nossa determinação, a nossa fé, a nossa sanidade... Porém,
assim como nas outras vezes, nós estamos trabalhando, estamos lutando.
Pode parecer que eu seja algum tipo
de masoquista psíquico, se é que exista tal coisa, mas digo que minha atual
situação é, de certa forma, uma vantagem espetacular. Meu corpo, o corpo de
Samuel, estava quebrantado, resultado de tantas batalhas. Um corpo cansado e
velho. Um corpo de um morto-vivo. De certa forma, essa “transferência” trouxe
um tipo de “fôlego” para mim. Décadas de experiência depositado em um corpo
juvenil na casa dos 30 anos. Sinto-me vivo, mais vivo que há muito tempo atrás
(do meu tempo). Estou mais rápido, mais forte, mais esperto. Apesar da minha
“essência” estar devastada pela insanidade de anos e mais anos de luta, digo
com toda a certeza: estou mais “letal” que antes.
Estou há apenas alguns dias nessa
nova condição e, digo-lhes, que já são o suficiente para entender algumas
coisas que nos atormentaram no passado do meu tempo. Estou, principalmente,
tendo mais compreensão de quem eu sou realmente... E digo que a verdade não é
realmente boa... Quem é Samuel? Posso responder, sem sombra de dúvida: Samuel é
mal... Samuel é o mal... Todas as escolhas que tomei, tudo que fiz durante
minha jornada apenas trouxeram sofrimento e dor àqueles que me cercam, àqueles
no qual jurei dar minha vida e minha alma em troca de um pedaço do paraíso.
Percebi, depois de anos de luta, que isso é impossível. Eu não posso dar o céu
àqueles que amo. A única coisa que posso oferecer é mais e mais sofrimento.
Depois que Joseph e Liana partiram, eu me perdi. Era Joseph que me mantinha na
linha. E não era de forma literal, não era em ações. Sua simples presença fazia
com que minhas ações, minhas escolhas fossem as melhores possíveis. Joseph era
a luz que nos guiava na escuridão, era o ser iluminado que trazia propósito
para mim nessa vida de merda. Ele me mantinha focado em salvar minha mulher e
meu filho, me mantinha motivado em nunca desistir. Quando atravessamos o
Inferno, foi ele que não deixou o Inferno me engolir, foi ele que segurou em
minha mão e não me deixou tombar. E, naquele mesmo dia, foi ele que me
repreendeu quando vendi minha alma para aquele Demônio sem nome em troca de um
pedaço do paraíso para Gabriela e Gabriel. E, mesmo com minha alma
transbordando corrupção, ele me manteve na linha, me manteve firme no caminho
certo. Porém, ele foi embora... E quando isso aconteceu, eu me perdi...
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